No início deste ano 459 do calendário antropofágico, escrevo para Oswald de Andrade aqui de sua calorenta São Paulo em que “sibaristas continuam em sua farra ora em palácio no Jardim América ora no de Campos do Jordão, e têm garantida uma poltrona no céu”. Chegamos à soma de 459 contando a partir de 1556, quando o primeiro bispo brasileiro, o Sardinha, foi deglutido pelos índios caetés junto com outras 90 pessoas. A trupe colonizadora de Sardinha, que viajava para Portugal na nau Nossa Senhora da Ajuda afundou em Alagoas, e foi capturada pelos índios, não contando com a providencial intervenção da Senhora que nomeava a nau. Os portugueses vingaram-se mais tarde e poucos caetés sobraram para contar essa história.
Pouca ajuda também tiveram, na primeira semana deste ano, jovens na briga contra o aumento de 50 centavos na passagem de ônibus. Inalaram muito gás lacrimogêneo e foram presos aí perto do cemitério da Consolação, onde você tenta repousar e também casou com Pagu, Oswald.
Talvez o que atropele a verdade neste verão escaldante não seja a TV ou o jornal, Oswald, e sim nossa roupa, “o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior”. Da fria Europa, em um distante 1912, você com apenas 22 anos trouxe boas novas, um Manifesto futurista, do italiano Marinetti, que nos prometia a modernidade logo ali. Hoje Paris, antigo centro das vanguardas, exporta radicalismo e hipocrisia.
Oswald de Andrade nasceu há 125 anos, no dia 11 de janeiro de 1890 e morreu em 22 de outubro de 1954.
Seu amigo, o poeta franco-suíço Blaise Cendrars, talvez pudesse nos explicar melhor a intricada trama que leva homens encapuzados munidos de Kalashnikovs a matar sarcásticos desenhistas. Sei não, para quem chegou a nos visitar sete vezes aqui abaixo do Equador, mais provável seria que Cendrars fizesse a oitava e derradeira viagem e se aboletasse de vez por aqui no refúgio de uma de nossas inúmeras praias.
A política também fez sua cabeça, né, Oswald. Depois de abandonar os ideais anarquistas, sua empolgação com o comunismo até o levou a proferir palestras em sindicatos. Curioso sempre fiquei em ouvir seus longos papos com Prestes, o Cavaleiro da Esperança, nos cafés de Montevidéu em 1931. Preciso atualizá-lo também, Oswald, sobre as novidades dos cafés da capital uruguaia, por lá você pode fumar cigarros proibidos em sua época e ainda por aqui. Acho que você toparia. Prestes? Duvido.
O sonho da justiça social o embalou naqueles anos e você escreveu que “a hora do anarquismo já tinha passado, hoje só se atinge o bem individual através do bem coletivo”. Quase duas décadas depois, o comunismo já não fazia sua cabeça como antes e resolveste partir para a prática. O povo levou Getúlio ao Catete, mas o Congresso perdeu um inusitado deputado. Você pode até culpar o pequeno Partido Republicano Trabalhista (PRT), o povo, menos o bom slogan: “Pão – Teto – Roupa – Saúde – Instrução- liberdade”.
“Os Estados Unidos não têm ainda suficiência para se estabelecer em sociologia. É o país mais primitivo do mundo. As suas experiências políticas foram iniciais e edênicas, uma independência canja, uma guerrinha entre escravagistas e Matarazzos”
(trecho de crônica de Oswald de Andrade no jornal O Estado de São Paulo na década de 40)
Hoje muita gente conhece a história de amor que levou Woody Allen (genial diretor de cinema judeu, não é de seu tempo, Oswald, você não conhece) a sofrer na pele parecido achincalhe quando você se apaixonou por aquela menina revolucionária e genial, a Pagu. Putz, ela era amiga de Tarsila, sua mulher, que a tratava cheia de mimos. Até o presidente Washington Luis foi seu padrinho de seu casamento com Tarsila. Allen conseguiu ainda fazer pior, trocou a mulher, uma atriz, pela enteada, uma jovem oriental.
No seu caso, você recebeu o troco, como diria a minha avó: “aqui se faz, aqui se paga”. Depois que seu romance com Pagu terminou, quem te abandonou foi a poetisa Julieta Bárbara, e ainda por um crítico, o Mario Schienberg. Deixa pra lá, né.
Para terminar, roubo suas palavras aos seus admirados Machado de Assis e Euclides da Cunha para tecer loas a você: “a presença de um grande escritor impossibilita a inflação dos valores medíocres e põe sempre no julgamento crítico um ponto alto de referência e de destino”. Grande abraço.
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