por Cássio Moreira
Alberto Pasqualini pode ser considerado o maior teórico do trabalhismo brasileiro, deixou uma obra extensa, como por exemplo as “Diretrizes Fundamentais do Trabalhismo Brasileiro”. Pasqualini sustentava que o principio do trabalhismo é o de que nenhum ganho é justo desde que não corresponda a uma atividade socialmente útil. Nem sempre o que constitui um ganho legal é um ganho justo, assim como, todo ganho deve estar sempre em função do valor social do trabalho de cada um.
Onde há ganhos sem trabalho, há parasitismo e usura social. Portanto, conforme a doutrina trabalhista, o capital deve ser um conjunto de meios instrumentais ou aquisitivos, dirigidos e coordenados pelo Estado, e muitas vezes executado pela iniciativa privada, mas sempre tendo em vista o desenvolvimento da economia e o bem-estar coletivo.
Pasqualini acreditava que a ação governamental deveria ser eminentemente pedagógica. A condução política far-se-ia pelo esclarecimento da sociedade, via mudança de mentalidade. O sistema educacional era, para ele, o caminho mais eficaz para realizar as reformas sociais, políticas e econômicas, superando assim o subdesenvolvimento do país. Sua concepção de Estado era a de que ele era fruto da evolução da sociedade. Ao fazer uso de uma analogia entre “cérebro e corpo”, o Estado é o cérebro da sociedade, o órgão mais especializado e complexo ao qual cabe um papel de direção e organização. Portanto as reformas necessárias ocorreriam por meio da mudança de mentalidade. Para isso, era necessária uma reforma na consciência social, que diminuiria as práticas egoístas e as substituiria por ações solidárias, tais como cooperação, ordem, harmonia, lealdade, evitando o confronto entre os interesses individuais (egoístas) com os interesses coletivos (morais). Pasqualini destacou principalmente a função moral do Estado: executar na prática o sistema solidário com suas especificidades.
O capital de caráter meramente especulativo e explorador não pode encontrar guarida e tolerância no verdadeiro pensamento trabalhista. As ideias de Alberto Pasqualini centravam-se numa plataforma reformista que tinha como objetivo transformar o “capitalismo individualista em capitalismo solidarista, com uma socialização parcial do lucro”.
Cabe contextualizar e esclarecer o conceito de trabalhismo adotado aqui: o conceito do trabalhismo, tal como desenvolvido na Inglaterra, passou por transformações, adaptando-se à realidade e adquirindo características próprias, e teve como um de seus principais ideólogos o sociólogo e político Alberto Pasqualini, que tinha como base os princípios do solidarismo cristão (democracia-cristã). Definia-se o trabalhismo como expressão equivalente a de capitalismo solidarista. Parafraseando Moniz Bandeira, o trabalhismo foi a manifestação nacional, brasileira, do que na Europa foi a social-democracia após a guerra de 1914/1918, ou seja, uma corrente política que tratou de empreender reformas sociais dentro da moldura do sistema capitalista.
Por esta expressão, tem-se que a ideologia trabalhista reconhece o capitalismo como sistema econômico, defendendo consequentemente a propriedade privada. Porém, a ideologia trabalhista defende uma intervenção do Estado na economia, de modo a corrigir os excessos do sistema capitalista e atingir uma forma mais equilibrada e humana do capitalismo, dando ênfase nas políticas públicas com objetivo de melhorar a condição de vida dos trabalhadores, o que seria atingindo baseado na “conciliação de classes”. O trabalhismo sustenta a prevalência do trabalho sobre o capital, buscando a sua convivência harmônica, bem como a superação das diferenças de classe, sem violência, através da melhor distribuição da riqueza e da promoção da justiça social.
A liberdade e a solidariedade são bem maiores para um povo. São como pernas. Uma precisa da outra para termos equilíbrio. Apenas podemos ter desenvolvimento com liberdade. Liberdade de escolha. Da possibilidade que as pessoas têm de desenvolver suas capacidades inatas como seres humanos e indivíduos sociais. O desenvolvimento econômico e social passa, portanto, na democracia econômica e para isso as pessoas poderem ter acesso à saúde, educação, moradia, segurança, renda e cultura. Entretanto, isso passa pelo acesso ao conhecimento e a informação. Percebam que é exatamente isso que falta na nossa sociedade atualmente: uma reforma na consciência social em prol de uma ideologia do desenvolvimento nacional. Ademais, nossa mídia, pelo menos grande parte, faz um desserviço à coletividade. A maioria dos programas midiáticos nos ensina valores individualistas e egocentristas. O mundo gira em função do “eu” e não mais do “nós”, fazendo as pessoas, de modo geral, buscarem relacionamentos fast-food: prontos e descartáveis. Entretanto, construir requer solidariedade. Então pergunto: qual o país que queremos construir quando temos, como matéria-prima pra isso, uma parcela cada vez maior de analfabetos políticos?
Nesse sentido a regulamentação dos meios de comunicação conforme prevê a constituição de 1988 (§ 5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio), ou seja, a não existência de oligopólio no setor de informação passa a ser fundamental para incentivar esses valores solidários e coibir as ações egoístas. Se João Goulart estivesse vivo, seria uma das Reformas de Base da atualidade.
O avanço das forças conservadoras no Brasil paradoxalmente em defesa do liberalismo econômico, que prega a prevalência das livres forças de mercado em detrimento da intervenção estatal na economia, é sintetizado de forma perfeita no pensamento de um dos grandes economistas do século XX, John Kenneth Galbraith: “faz parte da natureza da posição privilegiada que ela desenvolva a própria justificação política e, com frequência, a doutrina econômica e social que lhe seja mais conveniente. Ninguém gosta de acreditar que seu bem-estar pessoal está em conflito com a necessidade pública maior”.
O trabalhismo brasileiro é uma ideologia política que necessita estar acompanhado de uma ideologia econômica. No Brasil ele teve suas parcerias com o nacional-desenvolvimentismo nos governos Vargas, com o nacional-reformismo no governo Goulart e com o social-desenvolvimentismo nos governos Lula e Dilma. Nesse sentido, partidos como PDT e PT, que fazem parte do mesmo campo político, compartilham (no momento atual) da mesma ideologia política e econômica: são trabalhistas e desenvolvimentistas e tem como principal adversário o liberalismo econômico.
O trabalhismo surge, portanto, como a única alternativa viável de esquerda dentro da esfera capitalista.
A seguinte passagem de um dos discursos de Pasqualini é muito esclarecedora para definir sua essência:
“O trabalhismo não é, pois, necessariamente, um movimento socialista. Como vimos, o socialismo não é um fim, mas um meio, isto é, uma forma de organização econômica tendo em vista a eliminação da usura social. Abstraindo das diferentes concepções socialistas – incompatíveis com os princípios cristãos quando têm caráter materialista – e considerando socialismo simplesmente a socialização dos meios de produção, de circulação e de troca, mediante uma planificação da economia, observamos que o sistema seria inexequível num país como o Brasil.
Devemos, pois, permanecer no sistema da iniciativa privada, isto é, no regime capitalista. Mas, se é conveniente que se mantenham em seus delineamentos gerais, a estrutura do regime capitalista, isso não significa que seja qualquer tipo de capitalismo que o trabalhismo possa admitir e defender. Em primeiro lugar, o trabalhismo brasileiro não poderia solidarizar-se com um capitalismo de caráter individualista e parasitário; em segundo lugar, há certas atividades e empreendimentos, certas riquezas e certas formas de poder econômico que devem ser socializados.
Nos sistemas individualistas, o capital visa exclusivamente o lucro, que poderá proporcionar a seus detentores possibilidades de consumo sem limites, à custa do produto social, isto é, do trabalho do proletariado. O trabalhismo não poderá admitir tal forma de capitalismo. Para o trabalhismo, o capital deve ser um conjunto de meios instrumentais ou aquisitivos, dirigidos e coordenados embora pela iniciativa e atividade privadas, tendo em vista o desenvolvimento da economia, e o bem-estar coletivo. Consequentemente, o lucro não deverá ser o produto da exploração do trabalhador, mas, deduzida a justa remuneração do empresário, deverá constituir aquela parte do produto social que é invertida para a criação de novas riquezas e produção de bens.
O capital de caráter meramente especulativo e explorador não poderia encontrar guarida e tolerância no verdadeiro pensamento trabalhista. O capital é um conjunto de meios destinados à produção, à circulação e à troca. Uma fábrica é capital, uma estrada de ferro também o é. Não se pode ser contra o capital, o que seria absurdo. O capitalismo, porém, é uma relação de propriedade ou de exploração do capital. Se essa propriedade ou essa exploração são exercidas contra o interesse coletivo, o capitalismo é, evidentemente, um mal que deve ser combatido. Na constituição do capital há sempre uma parcela de usura do trabalho, e que é representada por aquela parte que está cristalizada no aparelhamento produtor.
Se alguém, por exemplo, por meio de um empréstimo, constrói e instala uma fábrica, esse empréstimo terá que ser amortizado com os lucros do empreendimento. Ora, o lucro representa a não remuneração de uma parcela de trabalho e um sacrifício do consumidor. Para simplificar a ideia, suponhamos que um sapateiro tome a seu serviço um oficial. Se lhe pagasse, como salário, o que ele realmente produz, o dono da oficina não teria resultado algum. Isso significa que, para que o sapateiro tenha lucro, é necessário que o empregado ganhe menos do valor que realmente produz.
Com relação ao lucro que invertido, essa usura existirá em qualquer sistema. O capital é uma acumulação de lucro, isto é, de trabalho não remunerado. No sistema socialista de economia, o capital não se constitui através do lucro ou rendimento privado, mas através de taxação. Ora, a taxação produz idêntico efeito, pois equivale a uma redução do salário nominal. Se alguém, por exemplo, percebe mil cruzeiros mensais, mas tem que pagar duzentos cruzeiros de impostos, o salário real estará reduzido a oitocentos cruzeiros.
Se o Estado socialista pagasse ao trabalhador o valor integral do trabalho, não poderia haver inversões, isto é, não seria possível constituir o aparelhamento produtor e os demais meios correlatos, isto é, o capital. A parte do lucro, que é invertida, não representa uma injustiça social. Pode haver injustiça na parcela do lucro que é consumida pelo capitalista, sempre que o consumo exceda os limites razoáveis da remuneração devida à atividade empreendedora.
O problema, pois, não é o da existência ou supressão do lucro e sim o de sua aplicação. O capitalismo, portanto (isto é, a exploração privada dos meios de produção, circulação e troca) será injusto na medida em que proporcione, a alguns, possibilidades de consumo sem limites, à custa do produto social, isto é, do trabalho; será nocivo, na medida em que, para alcançar essas possibilidades, use de métodos e processos anti-sociais; será, por fim, inconveniente na medida em que tumultue o processo econômico, dando lugar às crises periódicas ou ciclos conjunturais, que são uma consequência natural da liberdade de iniciativa e da livre concorrência.
E de perguntar como será possível corrigir, praticamente, as injustiças e inconveniências do regime capitalista. Poder-se-á responder que, se não é possível eliminá-las, será sempre possível atenuá-las. Taxar, por exemplo, os rendimentos, e aplicar o produto da taxação em inversões socialmente úteis será uma forma de canalizar o lucro e os rendimentos capitalistas para as suas verdadeiras finalidades. Taxar fortemente os artigos de luxo é, em geral, o supérfluo, e, com o produto da taxação custear serviços de assistência social, será outra forma de corrigir certas injustiças. Será uma maneira de obrigar os que podem adquirir o supérfluo a contribuir para resolver os problemas daqueles que não têm o necessário. E apenas isso que pretende o trabalhismo, isto é, tornar efetiva a solidariedade social.
Onde o sistema socialista de economia desse piores resultados que o capitalista, não haveria conveniência em substituir este por aquele. Suponhamos, por exemplo, que, numa fábrica, os operários ganhem, em média, x e o patrão lucre y. Com sua socialização, poder-se-á, sem dúvida, abolir o lucro, mas se a fábrica passar a ter uma administração pior, de modo que se encarecerá o custo da produção e do modo que a eliminação do lucro, nem aproveite ao operário nem ao consumidor, quais seriam as vantagens da socialização? Se a eliminação do lucro nem fizesse aumentar o salário do trabalhador, bem diminuísse o preço para o consumidor, a abolição do lucro seria perfeitamente inútil. A socialização só poderia dar resultados quando a administração da empresa socializada pudesse ser mais eficiente do que a empresa privada. Para isso, porém, seria necessário um alto nível de educação social, que não existe ainda na maior parte dos homens.
A socialização integral dos meios de produção, no estado atual da humanidade, poderia trazer ainda outros inconvenientes, pois o Estado se tornaria todo-poderoso e seria difícil encontrar homens perfeitos para geri-lo. É certo que a tendência é para aumentar as funções do Estado, evoluindo da função simplesmente policial à função social e à função econômica. Essa evolução, porém, está condicionada a um maior grau de perfeição dos homens. Por outro lado, não será demais observar que, se a forma socialista da produção pode ser desaconselhada, não será para atender aos interesses capitalistas, mas para atender ao maior interesse da própria coletividade. Será desnecessário esclarecer que há setores da economia onde a socialização ou a estatização se impõe. Não há hoje países onde impere o puro regime capitalista. Há países de economia exclusivamente socialista e países de economia mista”. (PASQUALINI, Alberto. Bases e Sugestões para uma política social. Porto Alegre, O Globo, 1948)”.