por Fernando do Valle
Muito se especula sobre a ausência de protestos significativos nas ruas neste momento em que a cletptocracia liderada pelo presidente Temer opera livremente em prol de interesses escusos em conluio com o Congresso, ambos sem o mínimo compromisso com os interesses da maioria dos brasileiros.
As explicações pipocam: o recrudescimento da violência policial nos protestos, o interesse do PT e movimentos sociais ligados ao partido em cozinhar em fogo lento o governo impopular atual para fortalecer a candidatura de Lula em 2018, o apoio às escondidas do empresariado, dos rentistas e seus movimentos nas redes na aprovação das reformas, entre outras.
Mas a explicação mais preocupante é a da impotência de colocar para fora a profunda revolta que inflama até o mais pacato cidadão com o quadro atual. O desalento surge a cada papo na esquina diante de uma democracia cada vez mais capenga e refém dos atos de um governo que vive em uma bolha em defesa dos interesses da plutocracia endinheirada. Esse silêncio amedronta e fortalece as saídas apolíticas e seus conhecidos salvadores da pátria. O fazer político é a saída e a rua seu palco principal.
“Nossa ação tem por objetivo trazer uma renovação, criar, viver, apropriar-se do que temos criado, mas que nos tem sido arrancado para pôr no MERCADO. Queremos festejar, dormir, repousar, construir, fazer, edificar” (extraído do livro Urgência das Ruas, Ned Ludd)
O momento pede um novo projeto político que perceba as mudanças no mercado de trabalho, abandone o velho ideário sindical e dê voz à multidão escravizada de corpos abatidos que se locomovem em trens e ônibus nas grandes cidades. Corpos submissos relegados a empregos precários na batalha inglória pela subsistência.
Da união das lutas do movimento negro, LGBT, das mulheres surge a consciência da necessidade da igualdade que exige a construção de uma democracia inclusiva que se oponha a esse governo de coroas de ternos bem cortados protegidos em seus gabinetes de partidos de aluguel. A igualdade identitária desperta a consciência coletiva e já constrói, apesar das barreiras, uma democracia realmente inclusiva que dá a senha para a briga por direitos básicos a todo brasileiro.
Vale aqui o paralelo com a situação da Islândia em 2009 quando o sistema bancário em conluio com a burocracia estatal sequestrou aquele país. A grave crise mundial em 2008 e a irresponsabilidade de seus gestores quebraram três dos principais bancos islandeses: Landsbanki, Kaupthing e Glitnir, deixando uma dívida de US$ 25 bilhões, superior ao PIB de US$ 17,64 bilhões do país em 2008. As perdas do sistema financeiro islandês em seu território e no estrangeiro alcançaram sete vezes o PIB daquele país.
Estava dada a chance para a mobilização social e o papel da internet foi fundamental para mobilizar a população contra o governo que pretendia pagar as dívidas dos bancos com os impostos da população. Em janeiro de 2009, início do ano parlamentar, milhares de islandeses convocados pelas redes digitais fizeram muito barulho em frente ao parlamento. As eleições foram antecipadas e os dois partidos que se alternavam no poder desde 1927 foram apeados do poder. O novo governo convocou referendo para decidir se o governo deveria cobrir a dívida de US$ 5,9 bilhões dos bancos ao Reino Unido e à Holanda. 93% dos eleitores foram contrários ao pagamento. Além disso, figuras de proa do setor bancário foram presas acusadas de administração financeira ilegal.