O golpe de estado de extrema direita previsto para o domingo dia 8 de janeiro pode ter sido abortado por algo que não estava nos cálculos dos conspiradores: o papel das redes de televisão com a transmissão ao vivo a invasão da Praça dos Três Poderes e a posterior depredação da sede do Supremo Tribunal Federal, do Congresso e do Palácio do Planalto.
Tudo indica que o ataque aos três prédios públicos mais importantes do país visava criar o caos político e com isto justificar uma intervenção militar a pretexto de restabelecer a ordem. Mas o objetivo acabou frustrado quando milhões de brasileiros testemunharam ao vivo, pela TV, a irracionalidade da ação dos bolsonaristas de extrema direita, que rapidamente perderam eventuais simpatias de quem assistia tudo à distância.
A participação da televisão no desfecho dos acontecimentos ainda é um tema que merece maior detalhamento para identificar se foi algo pensado politicamente ou foi fruto do entusiasmo jornalístico em testemunhar cenas que a maioria das pessoas achavam improváveis de acontecer.
O fato é que a TV Globo, por exemplo, ao interromper sua programação normal no canal aberto tomou uma decisão que além de política tinha também desdobramentos comerciais, porque os espaços publicitários foram adiados por várias horas. Outra decisão crucial foi a de formar uma rede entre o canal aberto e o fechado (Globo News) para aumentar a audiência. A emissora também convocou quase todos os seus jornalistas especializados em política para incorporar-se à cobertura, contactando fontes nos diversos níveis do aparato governamental, para explicar e complementar o que estava sendo mostrado ao vivo.
Simbolismos políticos
A TV Globo também tomou uma decisão carregada de simbolismo político de instruir repórteres, apresentadores e comentaristas para que eles tratassem como terroristas, golpistas e vândalos os participantes da invasão da Praça dos Três Poderes em Brasília. Este é o tipo de classificação que só pode ter sido decidida nos mais altos escalões da empresa pois as redações nunca tiveram a autonomia suficiente para acrescentar adjetivos à protagonistas de eventos políticos.
Outras emissoras também adotaram o mesmo enfoque dos participantes da tentativa de golpe de estado com gradações e adjetivos diferentes, como foi o caso da CNN e da Bandeirantes. As exceções foram a SBT, Record e Jovem Pan que mantiveram sua orientação bolsonarista e rotularam a depredação como um protesto e seus autores como manifestantes, seguidores do ex-presidente, derrotado nas eleições presidenciais de outubro do ano passado.
Caso estudos mais aprofundados venham a comprovar esta hipótese sobre a influência da transmissão ao vivo pela TV e do posicionamento das emissoras no tratamento dos participantes do ataque a prédios públicos em Brasília, no dia 8, estaremos diante de um caso inédito em que a comunicação e o jornalismo podem ter evitado um golpe de estado usando a informação visual como arma principal. O possível papel estratégico do audiovisual sinaliza uma mudança nos comportamentos políticos uma vez que a imagem, em tempo real, apela mais às emoções do que à reflexão. Até agora a imprensa escrita tinha um papel predominante porque os principais atores políticos priorizavam a racionalidade e a lógica nas ações de grande envergadura.
Já se sabia que uma imagem apela mais para o emocional do que para o racional, mais para os impactos informativos do que para a reflexão analítica. Mas o que a cobertura televisiva dos eventos de domingo, 8 de janeiro, pode estar nos mostrando é a importância de entender como imagens impactantes sobre questões complexas podem acabar gerando mudanças de percepções individuais e coletivas em tempo curtíssima, sem o recurso a reflexão analítica.