A mulher desce mancando da perna direita de uma Kombi branca. Atrapalha-se com o banquinho de plástico, a placa em forma de seta de quase um metro e o guarda-chuva laranja. Demora alguns minutos para se organizar, o vento está forte e ela tem dificuldade em abrir o guarda-chuva, a calçada esburacada entorta seu banquinho, mas agora ela consegue se ajeitar ali, próxima de uma esquina de São Paulo, com a seta pendurada no pescoço.
Aguardo minhas esfirras e quibes em uma lanchonete próxima e não consigo tirar os olhos dela. Acima do peso, com mais de 50 anos, mulata e com um sorriso amarelo no rosto. Não acredito, mas ela sorri. Depois de um tempo, a cerveja e as esfirras já não descem direito. Começo a me revoltar, minha cabeça dói. Xingo baixinho os marqueteiros escrotos que bolaram tamanha insanidade. Tomara que esses filhos de uma égua não consigam vender um imóvel. Tento segurar minha onda de raiva e dou mais um gole na cerveja.
No vai-e-vem da lotada lanchonete e entre os pedestres, ninguém repara nela, a mulher além de seta, é invisível. O tempo está virando naquele domingo de sol forte e o vento bate na placa que informa o valor do imóvel, 365 mil reais, e a mulher tem dificuldade em segurá-la. Leio um garrafal YOU nas costas da camiseta que ela veste. “Ei, YOU, a seta é pra YOU, vai comer calmamente essa esfirra nessa tarde de domingo e também fingir que eu não existo”.
Olho para os lados, famílias, casais e pessoas em pé no balcão esperando seus pacotes de esfirras e outros quitutes árabes para levar para casa. Será que encontro o criativo que bolou essa estratégia de vendas aqui ao lado? Acho que jênios do marketing não comem esfirras domingo à tarde, talvez no shopping.
Fiquei com vontade de falar qualquer coisa com ela, de perguntar sobre seu “trabalho”, até me iludo se de repente o papo me revele motivo que justifique tamanha humilhação. Mas também não fiz nada (além deste texto) e fui para casa com a barriga cheia de cerveja e esfirra.