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A morte de Vladimir Herzog e o Brasil que não queremos

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Explore a extraordinária vida de Vladimir Herzog, ícone da luta pela justiça e liberdade no Brasil durante a ditadura militar.

Neste vídeo, mergulhamos nos momentos cruciais de sua trajetória e em seu compromisso incansável com a verdade e a democracia.

 

por Fernando do Valle

Vladimir Herzog – Noite de 24 de outubro de 1975, agentes da ditadura chegam à redação da TV Cultura com a ordem de levar o diretor de jornalismo da TV Cultura, Vladimir Herzog, para depor sobre suas ligações com o PCB – Partido Comunista Brasileiro no II Exército. Iniciou-se ali uma negociação entre os jornalistas da redação e os agentes para que Herzog se apresentasse no dia seguinte.

Os policiais aceitaram o acordo e um jornalista comprometeu-se a acompanhar Herzog no outro dia até as instalações militares, esse jornalista inclusive dormiu na casa do diretor da TV Cultura. Se tivesse descumprido esse acordo e escapado na madrugada, Herzog não teria sido torturado até a morte no dia 25 de outubro de 1975, ele tinha apenas 38 anos. A brutal morte do jornalista indignou parte da sociedade civil contra o regime e tornou Herzog símbolo da liberdade de pensamento e de imprensa no país.

A nomeação de Herzog como diretor do canal de televisão pública do Estado de São Paulo pelo secretário de Cultura José Mindlin foi aprovada pelos órgãos de segurança do regime militar e pelo governador Paulo Egydio antes de sua contratação. Mesmo assim, a chamada linha dura do governo militar fazia campanha com a conhecida cantilena de “infiltração esquerdista” contra a equipe liderada por Herzog através do jornalista Claudio Marques, do Shopping News, praticamente porta-voz dos setores de informação do governo.

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vladimir herzog morte
O jornalista Vladimir Herzog, morto sob tortura no DOI-CODI

Vladimir Herzog nasceu Vlado Herzog em 27 de junho de 1937 em Osijek, hoje a quarta maior cidade da Croácia e morreu há 40 anos, em 25 de outubro de 1975.

O apoio da grande mídia ao golpe de 64

O momento político da morte do jornalista foi marcado por uma disputa pelo poder entre a linha dura do exército e setores da ditadura que pretendiam estabelecer certo diálogo com a sociedade civil. Três meses depois de Herzog, em janeiro de 1976, o metalúrgico Manoel Fiel Filho também foi assassinado pelo governo e o ditador Geisel destituiu o comandante do II Exército, general Ednardo D’Ávila Mello, um dos principais líderes da chamada linha dura entre os militares.

Políticos também insuflavam os militares da linha dura para a perseguição aos jornalistas da TV Cultura. O deputado da ARENA (partido do governo), José Maria Marin, que atualmente está preso na Suíça por corrupção como dirigente de futebol, pediu um aparte ao discurso do deputado do mesmo partido, Wadih Helu, futuro presidente do Corinthians, na Assembleia Legislativa de São Paulo e exigiu “providências aos órgãos competentes em relação ao que está acontecendo no canal 2 [TV Cultura…]”, que, segundo ele “sofria infiltração de elementos comunistas”.

Este blog já abordou a trajetória da triste figura José Maria Marin.

Episódio narrado no livro Bendito Maldito, ótima biografia de Plínio Marcos escrita por Oswaldo Mendes, mostra o nível da truculência dos militares. O diretor Ademar Guerra enfureceu um coronel ao escalar o “subversivo” Plínio como São Francisco de Assis em um teleteatro produzido na TV Cultura.

Guerra relembra o tumulto naquele 24 de outubro no departamento de jornalismo da emissora: “o clima era de muito medo”. No meio desse clima de incerteza, ele lembra no livro que “alguém disse que um coronel do 2º Exército tinha telefonado à minha procura”. O diálogo de Guerra com o coronel:

– Por que o senhor está fazendo a história de São Francisco?

– Porque é uma história bonita, a história de um santo…

– Mas é perigoso…

– O que há de perigoso na história de um santo, coronel? Quer que eu mande o texto para o senhor ler?

– Não quero ler nada, não.

 Ademar Guerra escapou da brutalidade que vitimou Herzog. O jornalista Leandro Konder, amigo do jornalista assassinado e também detido pelos militares, não e também foi torturado. Ele relata o sofrimento de Vlado nas mãos dos torturadores do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna):

“podíamos ouvir nitidamente os gritos, primeiro do interrogador, depois, de Vladimir, e ouvimos quando o interrogador pediu que lhe trouxessem “pimentinha” [máquina de choques elétricos para tortura] e solicitou ajuda de uma equipe de torturadores. Alguém ligou o rádio e os gritos de Vladimir confundiam-se com o som do rádio. Lembro-me bem que durante essa fase, o rádio dava notícia de que Franco [ditador espanhol] havia recebido a extrema-unção, e o fato me ficou gravado, pois naquele mesmo momento Vladimir estava sendo torturado e gritava. A partir de um determinado momento, o som da voz de Vladimir se modificou, como se tivessem introduzido coisa em sua boca; sua voz ficou abafada como se lhe tivessem posto uma mordaça. Mais tarde, os ruídos cessaram”

(trecho do depoimento de Leandro Konder no livro “Brasil nunca mais”).  

Não satisfeitos, os agentes da ditadura forjaram a cena de um suposto suicídio de Vlado “em um surto de arrependimento”, a foto divulgada pelos órgãos de repressão ainda mostra um bilhete rasgado com “a confissão de seu envolvimento com os comunistas”.

Militares forjam a cena do suicídio de Vlado

Amigos, familiares e a comunidade judaica não aceitaram a inverossímil versão do governo sobre a morte do jornalista, que era judeu, e o enterraram no centro da Sociedade Cemitério Israelita. Pela tradição dos judeus, os suicidas são enterrados em uma área específica.

A imprensa alternativa teve papel importante para desmontar a versão oficial do governo. O jornalista Mylton Severiano relata no documentário Resistir é Preciso como ele, Narciso Kalili e Hamilton Almeida Filho produziram uma detalhada matéria de 8 páginas sobre o assassinato de Vlado para o jornal EX-. O título foi retirado do Hino à República: “Liberdade Liberdade abre as asas sobre nós”. A edição de 50 mil exemplares esgotou rapidamente e outra foi impressa.

A capa histórica do jornal alternativo EX-

Outro veículo, o Versus, que marcou a imprensa alternativa do final dos anos 70, foi fundado pelo jornalista gaúcho Marcos Faerman sob o clima de mobilização da imprensa independente que sucedeu a morte de Herzog. Por coincidência, a primeira edição do jornal foi impressa no momento em que Herzog era torturado pelos militares.

A fotógrafa Elvira Alegre, do jornal EX- registra o desespero de Audálio Dantas, presidente do Sindicato de Jornalistas do Estado de São Paulo, no velório de Vladimir Herzog. A foto só foi publicada anos mais tarde e não integrou a matéria do EX-

Seis dias após a morte, a missa em memória de Vlado tornou-se um verdadeiro protesto contra os arbítrios do regime militar. O arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns dividiu o culto ecumênico em 31 de outubro de 1975 na Catedral da Sé com o rabino Henry Sobel e o reverendo protestante James Wright. Mais de 8 mil pessoas enfrentaram o medo e lotaram as escadarias da catedral e as ruas vizinhas da Praça da Sé. A repressão enviou quinhentos policiais para monitorar o ato.

Em 1979, a Justiça brasileira condenou a União pelo assassinato de Vlado. Apenas em 2013, a família teve nas mãos uma nova certidão de óbito, na qual a morte foi registrada como resultado de “lesões e maus tratos” infligidos no “II Exército (DOI-CODI)”.

Ainda na infância, o destino de Vlado havia sido marcado por outro regime totalitário, o da Alemanha nazista. Sua família judaica teve que fugir de Osijek, na época Iugoslávia (hoje Croácia) para escapar do antissemitismo imposto pela Alemanha no país. O país escolhido foi a Itália, os avós maternos do jornalista não conseguiram escapar e foram mortos em Auschwitz. Com o recrudescimento da guerra, a família resolveu abandonar a Europa e desembarcou de navio no Rio de Janeiro.

Na década de 50, Vlado estudou Filosofia na USP e na década posterior, trabalhou em alguns documentários. Ele conhecera em 1962 a estudante de ciências sociais Clarice Chaves, com quem se casaria em fevereiro de 1964, com quem teve dois filhos.

Missa por Vladimir Herzog reuniu 8 mil pessoas na Praça da Sé (fonte: Instituto Vladimir Herzog)

O jornalista Audálio Dantas relembra Vlado neste vídeo produzido pela EBC:

Em 2005, o cineasta João Batista de Andrade lançou o documentário “Vlado – trinta anos depois”, assista na íntegra:

Iara Iavelberg e sua luta contra a ditadura militar

https://urutaurpg.com.br/siteluis/lider-estudantil-honestino-guimaraes-foi-morto-pelo-regime-militar-em-1973/

 

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