O novo colaborador Zonacurva, Albenísio Fonseca, é jornalista e escreve em seu primeiro texto por aqui sobre o Marco Civil da Internet, leia:
Em tramitação na Câmara Federal e sob votação adiada uma dezena de vezes, o marco civil da Internet – “mais governamental que civil” – não pode se constituir em uma armadilha para a cidadania, a serviço de provedores, corporações e em função do poder econômico, quando o conhecimento colaborativo e a imaterialidade do trabalho se cristalizam. A neutralidade da rede – bit inegociável do projeto – importa em que a transmissão de informação pela internet permaneça a ser tratada em todos os dados, da mesma forma, sem distinção de conteúdo, origem e destino ou serviço, a resistir à conversão da rede mundial de computadores em um “jardim murado”, oh Tim Berners-Lee.
As cyberways do século 21, mesmo por atalhos, requerem tráfego em mão dupla. O advento e disseminação das redes sociais, um dos mais importantes eventos da Internet, consagra a “expressão individual”, não mais em relações hierarquizadas, mas através de conexões por pontos, na relação direta e múltipla entre as pessoas. Contra a hegemonia da construção de “realidades” por corporações da mídia, o saber compartilhado inviabiliza e transcende o monopólio da informação em mão única, da tipografia de Johannes Gutemberg à TV analógica.
Sob um cenário de vigilância, em singular “panopticon”, oh Michel Foucault, múltiplos dispositivos capturam as mensagens – como denunciado pelas mãos de tesoura de Edward Snowden e, logo, o pensamento, qual previra George Orwell e seu Big Brother, em “1984″. Embora domesticado já nos seja o desejo – devidamente cartografado, oh Gilles Deleuze. Frutos das campanhas de marketing e publicidade incutidas em nosso inconsciente – somos levados de roldão nessa “terceira onda”. Ainda que supostamente a escapar – indivíduos ou multidões rebeladas – em pranchas da inédita protagonização de desejos e devires, subordinados não mais a uma ideologia, mas sob os ditames das novas estratégias biopolíticas do “Império”, oh Antonio Negri.
E assim, vamos surfando com Alvin Toffler, reféns da tecnologia da automação, cada vez mais desenvolvida e apropriada à sociedade de controle em que, homens-máquina, braços dados com autômatos, transitamos as pulsões dos nossos corpos sem órgãos, na “caosmose” de três ecologias (ambiental, social e subjetiva), Oh Felix Guatarri. Microeletronicamente digitalizados, Pierre Levy, qual geração supérflua, meu caro Nicholas Carr, temos cérebro e sistema nervoso central expandidos, a superar distâncias espaciais e intervalos temporais, abolindo o espaço e o tempo, oh Paul Virilio, nesse universo da terceira revolução tecnoindustrial, a la (seja louvado) Adam Schaff.
Que permaneçamos, então, oh cyberativistas, a evocar em black blocs ou serenamente a convicção de que a liberdade de expressão constitui uma das bases essenciais da sociedade democrática, condição intransferível para a concretização dos demais direitos humanos e liberdades fundamentais. A circulação livre de informação, nessa sociedade em rede, castelo de cartas marcadas, oh Manuel Castells, é fundamental para o acesso ao conhecimento e à cultura, herança comum de toda a humanidade a estar disponibilizada e tornada acessível para o beneficio de todos.
Hoje, ativos intangíveis como marcas e domínios têm valor superior aos dos bens móveis e imóveis – hegemonia possibilitada pelo acúmulo de visibilidade – como um “capital simbólico”, a estampar suas insígnias, oh Pierre Bourdieu. A etiqueta – digo, os titles tag, são os novos parâmetros de identidade, mesmo em protocolos uTorrents – a submeter outros domínios, como o semântico e o imagético, em motores de busca, sob os índices das hashtags e Trending Topics, nos fluxos de um capitalismo cognitivo.
Sonhe: baixe programas e filmes transmitidos em resolução 4K, quatro vezes mais alta que a Full HD. Acorde: ainda é necessária uma conexão que consiga se manter estável o suficiente para downloads sem engasgos, oh Bram Cohem. À mídia caberá render-se à disponibilização de conteúdos em multimídia, na crescente e irreversível tendência online. Mas, e nossa energia libidinal, humanoides, permanecerá contida neste lounge da cotidiana miséria simbólica? Afinal, se o futuro já passou, o que nos aguarda neste admirável mundo novo, oh Heródoto?
Conheça o blog de Albenísio Fonseca
O binômio fake news/redes sociais nos impõe novos comportamentos políticos
Grandes redes sociais acabam com o sonho idílico de uma internet livre